Ilustração: Lívia Varella (Instagram: @liviacvarella)

O concurso

Marina Navarro Lins

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Eu era um bebê feíssimo. Cabelo ralo já com entradas à mostra, queixo duplo e bochechas gordas — a direita levemente mais caída do que a esquerda. Na foto em preto e branco, mamãe segurava-me por trás dos ombros acentuando ainda mais os meus braços roliços. Ela arrumara-se com vestido novo comprado para a ocasião, o cabelo preso em coque e com um leve topete, nenhum fio fora do lugar. Passara batom carmim e escolhera a pulseira de ouro que ganhara de papai no noivado. Tão bonita que parecia ser ela a participar do concurso.

Mas não, o centro das atenções ali era eu. Um dos finalistas do concurso de robustez infantil promovido pela marca de talco Bumbum Macio. Eu e mais três bebês sentados sobre uma mesa longa, todos nus e brancos, todos redondos e amparados por mamães bem-vestidas. Totalmente permutáveis. Fico pensando se mamãe trouxe para casa o bebê certo ou se, na verdade, sou filho de uma das outras moças de cabelos besuntados.

— É claro que não te confundi com outro — responde mamãe: — Antes tivesse! Poderia ter um filho mais bonito agora.

Mamãe já botou mais fé em mim. Na foto do concurso, seu olhar cintilante deixa transparecer que ela tinha esperança em ver seu rebento estampando um outdoor numa rodovia movimentada. Pais e mães sentariam o pé no freio para admirar melhor aquele bebê-modelo e se dirigiriam imediatamente à farmácia mais próxima para garantir o milagroso talco. Quem sabe seus filhos tão sem graça ficariam bonitos como eu.

— Deixa disso, você nunca teve pinta de modelo — diz mamãe, que não costuma medir suas palavras.

Até os 16 anos, eu tinha certeza de que era lindo. A história do concurso, contada e recontada por tias eufóricas, ajudou-me a manter a autoestima elevada, enfrentando, sem alarde, espinhas, dentes tortos e pneuzinhos. Faziam parte do meu charme. Ao entrar no ensino médio, comecei a desconfiar que não era bem assim. As meninas evitavam meu olhar meio sedutor, meio estrábico, as pestanas movendo-se no ritmo das borboletas.

Ainda assim, a anedota do concurso me rendeu frutos. Passei a contá-la nas rodas de conversa no bar da Faculdade e, com o empurrãozinho de uma cerveja gelada, as garotas começaram a dizer que eu era engraçado. Levava a tal foto para ilustrar a cena que antes não deixara rastros na minha memória, mas agora ganhava vivos contornos. Um dia, decidi que eu vencera a competição e todos gargalharam ainda mais.

A magia da história acabou por volta do meu segundo ano de casado; estava gasta e não esperou nem um filho chegar para dizer “chega, já carreguei você nas costas por muito tempo”. A foto voltou para o álbum e eu para a casa de mamãe.

— Por que você me inscreveu num concurso de beleza se me acha tão feio?

— Inscrevi o seu irmão, oras. Acontece que ele já tinha passado da idade para participar e não quiseram devolver o dinheiro da inscrição. Tive que te levar no lugar.

Mamãe não usa mais o cabelo com topete e nem vestido cintado. Mas quando saímos para ir ao cinema, todo domingo, aplica o batom carmim nos lábios murchos e não esquece a pulseira de ouro. Cruzamos a rua para desfilar na frente das senhoras que jogam conversa fora na praça. Vamos de braços dados.

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